A iniciativa de incluir a música no currículo da escola regular é um grande avanço para a área musical e reconhece a importância da música dentro da educação. Como educadora musical, trabalhando em escolas regulares há quase 13 anos com educação musical, acolho a iniciativa com alegria e preocupação, o que explicarei mais à frente.
Fazendo um breve retorno à história da música no Brasil, por volta de 1930, Heitor Villa-Lobos, convidado por Anísio Teixeira, implanta a música e o Canto Coral nas escolas. Em 1961, 30 anos depois, com sua morte, a música passa a ser matéria opcional nessas mesmas escolas. Dez anos depois, a música foi incluída na disciplina Educação Artística, junto com trabalhos manuais e desenho, sendo ensinada (?) aos alunos pelo professor formado nessa área ou pelo professor polivalente. Com o tempo e com a ineficiência do ensino da música pelo professor não habilitado para exercer a função, a música passou a ser considerada supérflua e desnecessária, sendo relegada a segundo plano dentro das escolas. Na área de Artes, prevaleceram sempre as Artes Plásticas em detrimento da Música. A música ficou relegada a um repertório de festinhas em datas comemorativas.
Atualmente existe um projeto de lei já aprovado que prevê a música como disciplina obrigatória nas escolas públicas, no ensino fundamental e médio. No entanto, o projeto também prevê que a música seja ministrada por professores sem formação musical.
Retomando o primeiro parágrafo, acolho a iniciativa com alegria e preocupação. Ao mesmo tempo em que há uma valorização da música, tornando-a inserida na escola, motivo da minha alegria, há também a sua desvalorização por considerar que o profissional sem formação musical possa ser responsável pelas aulas de música, motivo da minha preocupação.
Todos se lembram quando foi elaborado um documento chamado de “Referenciais Curriculares Nacionais”, os RCN’s (para a Educação Infantil) e os “Parâmetros Curriculares Nacionais”, os PCN’s (para o ensino Fundamental e Médio). Esses documentos incluem a área de música e a sua elaboração contou com a participação de educadores musicais importantes no cenário nacional. Ora, torna-se uma incoerência criar um documento nacional para nortear a Educação, em geral, e a Educação Musical, em particular e não contar com os profissionais especialistas na área para implantá-lo!
A minha alegria passa a ser pequena diante de tantos motivos para entristecer-me! É preocupante concluir que um profissional que não tem formação musical assumirá as aulas de música e será grande a chance da música continuar como está: repertório de datas comemorativas. Mas aí surge a minha maior preocupação: o surgimento dos livros didáticos e dos cursos para habilitar esse profissional para trabalhar com música!
O educador musical consciente sabe que nenhum livro didático e nenhum curso rápido habilitarão qualquer profissional que não seja da área para trabalhar efetivamente com música. Também sabe que deve defender a sua profissão e lutar para que exista o cargo de Professor de Música nas escolas, único profissional que poderá garantir um ensino musical de qualidade.
Será que podemos formar rapidamente um professor de matemática? De história? De geografia? De dança? De educação física? Será que um livro didático de matemática garante a qualidade do ensino para os alunos, usado por qualquer profissional, mesmo sem formação pedagógica na área? Sabemos que não! Por que, então, aceitamos o absurdo dos cursos e livros criados para esse fim?
A música é uma linguagem, com suas especificidades. Não podemos reduzi-la a meros exercícios de percepção sonora ou de confecção de instrumentos musicais. Seria o mesmo que reduzir o ensino da língua portuguesa ao aprendizado de regras ortográficas por alguém que sequer sabe ler!
Nós, educadores musicais, temos que lutar para que o ensino de música seja realmente inserido no currículo escolar, com qualidade, com conteúdo relevante e através do professor especialista. Não podemos aceitar que profissionais sem escrúpulos ou oportunistas usem esse momento para vender as suas idéias e seus produtos a despeito de uma ética profissional!
Se não há a possibilidade de ter o profissional adequado para ensinar música, que não se faça esse estardalhaço todo dizendo que a música voltou para as escolas! Não voltou e desse jeito, nunca voltará! Villa-Lobos, apesar de ter sido criticado por seu espírito nacionalista, foi o único que inseriu o ensino de música nas escolas.
O resto... foi só balela!
Quando a maré sobe...
Há um ano