O profissional especializado quase sempre é um solitário dentro das escolas. O seu trabalho, por ser específico, é pouco compreendido e valorizado pela equipe docente. Assim acontece com a música, com a educação física, com as artes plásticas e visuais, com o circo, com o teatro. Só se compartilha o que está acontecendo quando tem uma exposição, uma apresentação, uma competição. De um lado, o professor especialista trabalhando sozinho, refletindo e agindo como se não fizesse parte de uma equipe; de outro lado, os outros professores, também deixando de incluí-lo como parte da equipe. Assim, profissionais que trabalham dentro de um mesmo espaço físico e educativo não interagem, deixando de compartilhar idéias e projetos que poderiam acrescentar muito à educação, de uma forma geral. Esse cenário, onde o professor especialista trabalha sozinho, é muito comum dentro das escolas regulares.
A música, mais que uma disciplina específica, pode transitar entre diversos conteúdos e, longe de deixar seus conteúdos específicos de lado, pode trabalhá-los dentro de contextos mais amplos, incluindo-se em alguns eixos trabalhados e sugeridos pelos RCN’s* e PCN’s**: linguagem oral e escrita, conhecimento de mundo, natureza e sociedade, para a educação infantil e meio ambiente, pluralidade cultural, língua portuguesa, para o ensino fundamental, só para citar alguns.
Durante muito tempo a música esteve fora do currículo escolar e agora, com seu possível retorno às escolas regulares, tem se discutido muito sobre como incluí-la realmente. O que muda no cenário da educação musical é o contexto onde esse ensino acontece e acontecerá e, tratando-se de escolas regulares e não de escolas especializadas em música, todo o conteúdo musical terá que ser repensado para que possa acontecer de forma interessante.
Em educação musical temos muitas vertentes na concepção do que seria “educar musicalmente” uma criança. Através de pesquisas e estudos, cada educador pode escolher aquela ou aquelas que mais se relacionam com o que pensa sobre uma educação musical de qualidade. De qualquer forma, o que não se pode esquecer é que essa educação estará acontecendo dentro de uma escola regular e isso faz toda a diferença. A escola especializada em música, por mais que tenha a preocupação de oferecer um ensino amplo, priorizando vivências musicais diversas, tem o compromisso de ensinar técnicas musicais específicas de algum instrumento musical. Também lida com um público diferenciado porque, se está lá, de alguma forma prioriza a educação musical e tem interesse em tocar algum instrumento musical, mesmo que isso, em longo prazo, não aconteça realmente. A educação musical na escola regular tem que fazer parte de um contexto educacional onde outras prioridades devem ser consideradas a priori. Na educação, de forma geral, temos que nos preocupar em formar o aluno integralmente, oferecendo a ele oportunidades diversas e interessantes. Assim, a música, longe de formar músicos, tem que priorizar as experiências musicais diversas, como ouvir, dançar, cantar, tocar, refletir, ampliar o repertório, brincar, entrar em contato com músicas brasileiras e de outras culturas. Dessa forma, estaremos garantindo ao aluno experiências ricas e, mesmo que ele queira tocar um instrumento, pode fazê-lo em outros momentos, em outros contextos e para isso estão indicadas as escolas especializadas, os grupos e oficinas musicais.
A partir dessas considerações, podemos observar a importância de lutar por um trabalho musical contextualizado, integrado às outras áreas, que possa fazer parte efetivamente do currículo escolar, deixando de ser repertório para festinhas e comemorações ou adorno para outros projetos dos quais não faz parte. A educação musical precisa ser tratada com importância e respeito dentro da educação e, se desta vez, não voltar ao currículo escolar de outra forma, mais uma vez será deixada de lado e continuará sendo tratada como supérflua.
O ambiente escolar oferece a oportunidade do trabalho em equipe, formada por profissionais de diversas áreas do conhecimento. Para que isso aconteça é preciso criar parcerias entre os profissionais da educação, com disponibilidade para aprender uma nova forma de trabalhar. Parceria é algo que todos os envolvidos precisam querer, não importando de quem seja o primeiro passo, mas sim que haja um primeiro passo.
O trabalho em parceria é um trabalho novo, imbuído de desejo de pesquisa e de busca de novas formas de lidar com o conhecimento. É saber que não existe nada pronto, que tudo está por aprender e todos os caminhos estão para trilhar; que todos podem aprender juntos, na mesma busca de conhecimento.
Criar uma parceria não é fácil e nem simples, mas quando isso acontece, realmente, pode ser muito bom. Não existem fórmulas e nem regras a seguir, mas o desejo e a necessidade de trabalhar junto com alguém, de partilhar alguma coisa, de não correr o risco de ter que pensar tudo sozinho. É saber que todo conhecimento tem muitos lados e pode ser visto por muitos olhares atentos, de vários ângulos, por vários prismas. É acreditar que juntos podemos fazer muito mais, alunos e professores, na busca incessante de enriquecer o nosso universo com fazeres e vivências boas.
A música é privilegiada porque pode permear todas as áreas do conhecimento, sem que para isso tenha que perder as suas especificidades. Com música podemos viajar por diversas épocas da história da humanidade, ressaltar a importância de preservar a natureza, conhecer poemas e cantá-los em canções só para citar alguns entre outros tantos assuntos e interesses escolares. Será um desperdício que se trabalhe com música isoladamente dentro de uma escola, espaço de tantos educadores com vontade de ensinar e aprender! Será um desperdício que continuemos a pensar a educação de forma tão engessada e tão distante de provocar o brilho nos olhos daqueles que aprendem e daqueles que ensinam!
A música não é a redentora do conhecimento, da boa escola ou do bom educador, mas, pode “olhar” para os conteúdos de forma diferenciada porque é arte e como arte transcende e transforma.
Assim, defendo as parcerias porque a união de educadores pensantes e reflexivos pode modificar a educação e modificando a educação podemos modificar a escola e os indivíduos que passam tanto tempo dentro dela, alunos e professores.
Trabalho em parceria há alguns anos, em escolas regulares, e só tenho tido ganhos com isso, tanto para a minha formação como educadora musical quanto para a formação dos meus alunos. Quanto aos outros educadores que trabalham ou trabalharam junto comigo, tenho certeza que muitos também se enriqueceram, especialmente aqueles que realmente se envolveram no trabalho.
* RCN's - Referenciais Curriculares Nacionais
**PCN's - Parâmetros Curriculares Nacionais
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